Como seria a carta da Sra. Rita Cohen Wolf se ela morasse na Palestina.
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Sr Presidente Obama:
Na minha carteira de identidade de número XXXXXXXXXXX expedida pelo Instituto Felix Pacheco no Rio de Janeiro, ao lado do item nacionalidade está escrito “brasileira”. Sou de outro país amigo dos Estados Unidos.
Sim, sou brasileira e “carioca da gema”. Filha de pais brasileiros e mãe de filhas brasileiras. Gosto de empadinha de palmito, água de coco , feijão e farofa. Ouço Marisa Monte, Cartola, Caetano e Cazuza. Visto a camisa seja qual for o placar e posso mesmo declarar que tenho sangue verde e amarelo.
Sou dos “Anos rebeldes”, aqueles em que muitas vezes o máximo da rebeldia era cantar “Afasta de mim este cálice” enquanto ficávamos de olho se algum colega de escola “era sumido”. Aqueles anos em que Chico Buarque só podia ser Julinho da Adelaide. Saí às ruas pelas “Diretas Já” e, emocionada, vi o Gabeira e o Betinho finalmente voltarem do exílio arbitrário.
Nos anos 90, com mestrado em Psicologia e em Educação, fui honrosamente convidada a assessorar a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Cheia de entusiasmo, fazia parte de uma equipe profissional de primeira linha. À nossa frente, uma Secretaria de Educação indicada pelo Prefeito não por suas ligações políticas, mas por sua competência profissional e comprometimento por uma Escola de qualidade para as nossas crianças.
E foi aí que comecei a perceber que algo de muito errado acontecia na minha cidade e no meu país. Mesmo ocupando um cargo de onde poderia “fazer acontecer”, percebi que apenas vontade política, profissionalismo e amor pelas crianças do Rio de Janeiro não eram suficientes para mudar a antiga engrenagem: emperrada, viciada, corrompida e perversa.
Foi depois de ter sido assaltada 8 vezes, uma delas com um revolver apontado para a minha cabeça… foi aí que a ficha caiu e percebi que não poderia mais criar minhas filhas no meio da corrupção, suborno, mão-armada e com medo da própria sombra. Tinha que me despedir do meu País. Como se pode perceber sou uma covarde pois em vez de lutar aqui fui embora.
Com muita dor no coração eu resolvi fazer as malas. Por livre escolha, assim como tantos e tantos brasileiros. Meu país não podia me oferecer condições dignas de vida. Não se preocupava ou não agia com eficiência em nome do bem-estar de seus cidadãos. Fiz minhas malas e vim para o Oriente Médio.
Apesar de na minha carteira de identidade não constar o item “religião”, eu posso lhe contar. Sou muçulmana.
“Muçulmano”, palavra que para muitos está diretamente associada a terrorista.
Optei por viver na Palestina. Tornei-me palestina. Quanta contradição, sair do Brasil por medo de assaltos e sequestros e vir para Palestina…
Aqui, Sr Presidente, aqui não tem assaltos e não há violência entre os palestinos mas quando estamos em perigo, soam sirenes para que entremos em abrigos anti-bombas para nos protegermos dos bombardeios israelenses, mas não temos abrigo anti-bomba. Sempre estive a ponto de ser pega por uma bala perdida e pelos bombardeios israelenses, assim como sempre tive que sentir a dor no peito ao ver famílias inteiras à beira da rua mendigando, porque Israel matou o pai e a mãe. Nunca mais tive que me pegar na dúvida do que sentir diante de um pivete: medo ou pena. Por que aqui não existem pivetes, apesar de faltar água, comida, educação e a saúde porque Israel proíbe a entrada até de ajuda humanitária num verdadeiro campo de concentração. Mas aqui é difícil estudar também porque os israelenses bombardeiam escolas até as da ONU e matam crianças. Os hospitais são bombardeados por Israel. Na Palestina, Israel nos prendeu em uma grande mega prisão como bichos em uma gaiola com paredes e muros de concreto mais altos que o muro alemão e o muro estadunidense.
Sou uma dos cerca de 10 mil brasileiros que vivem hoje na Palestina e que, hoje de manhã ao acordarem, deram-se conta de que o Governo americano votou contra uma investigação na ONU sobre os ataques de Israel à Palestina.
Pergunto-me se também foram contra os ataques dos Estados Unidos que mataram milhares no Afeganistão. Ou talvez contra o ataque no Iraque, onde está sendo feita uma “purificação étnica”. Os Estados Unidos já bateu na porta há décadas: cortou as relações diplomáticas dos Estados Unidos com a Palestina e condena a Palestina e apoia com bilhões de dólares Israel que tomou as terras e as águas palestinas.
Obama, muito preocupado com os “direitos humanos”…
Escrevo para lhe contar, Sr. Presidente, que tenho vergonha.
Num momento tão delicado para tantos de nós brasileiros que vivem na Palestina, no momento em que a Palestina não pode receber visita de nenhum líder mundial porque ninguém quer ser ser morto pelos tiros e bombardeios israelenses mas, que teve, a Palestina, o apoio na ONU de 29 países para investigar o genocídio que está ocorrendo na Palestina... E aí recebemos a notícia que os Estados Unidos votaram contra a investigação da ONU sobre o genocídio.
A televisão anuncia a decisão americana e tenho vergonha.
A vergonha não é só pelo alinhamento dos Estados Unidos com os países islâmicos extremistas como a Arábia Saudita, Kuait, Iraque, Afeganistão ao invés de se alinhar com a Democracia. Tenho vergonha também dos meios de comunicação tendenciosos dos Estados Unidos que só enxergam ou só querem enxergar um lado da história. Mas isso já é outra conversa…
Hoje, junto com a notícia do voto contra a investigação do genocídio vi também na televisão que o governo de Israel está enviando vários aviões para os quatro cantos do planeta para resgatarem israelenses que, por conta do embargo aéreo temporário das companias de aviação estrangeiras, não conseguem voltar para Israel. Uma verdadeira operação resgate. Por quê? Porque durante mais de 60 anos os Estados Unidos tornou Israel uma filial dos interesses das empresas estadunidenses. Hoje Israel tem bombas atômicas. A palestina ocupada só tem dor e sofrimento como tiveram os judeus no holocausto alemão. Enquanto isto na Palestina ninguém pode retornar à sua terra e nem sair da mega prisão que os israelenses fizeram para nós. Somos prisioneiros permanentes na Palestina. Quem dera se tivéssemos avião de resgaste...
Eu vivo num país em que a vida de um soldado foi trocada pela de mil terroristas israelenses por crime de sangue.
Na minha ingenuidade, cheguei a pensar que os Estados Unidos tentariam verificar a situação de seus cidadãos na Palestina nesse momento de guerra, se é que algum cidadão estadunidense estaria com alguma necessidade que pudesse ser atendida pela representação dos Estados Unidos na Palestina. Que bobinha…
Mais fácil talvez seja mesmo vir a votar contra a investigação da ONU sobre o genocídio, pois não sei mais qual o valor do meu passaporte brasileiro.
Vergonha e desgosto por comprovar que mesmo depois de tantos anos, o estadunidense ainda vale muito pouco, para não dizer quase nada, para o seu próprio país.
E o verde-amarelo do meu sangue cada vez mais vai perdendo sua cor, junto com centenas de crianças, idosos e mulheres assassinados por Israel no holocausto num campo de concentração chamado Palestina.
* Adaptação de Pedro Aparecido de Souza
* Adaptação de Pedro Aparecido de Souza
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Blog do Pedro Aparecido :
28.07.2014
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