Margaret Thatcher morreu, mas
deixou uma grande herança que afeta o mundo até hoje. A primeira e única primeira-ministra
da Inglaterra exerceu o seu poder supremo de 1979 a 1990. Mas antes foi líder
do Partido Conservador e também foi Ministra de Educação nos anos 1970 (1970 a
1974). Uma de suas proezas foi tirar o leite das crianças acima de sete anos
que estudavam nas escolas inglesas, sem o menor constrangimento.
Quando conquistou a posição de
primeira-ministra havia uma crise na Inglaterra e ela soube aproveitar a
chance, assim como soube aproveitar as descobertas de Petróleo no norte. Margaret
Thatcher preservou a moeda - a Libra - e não aceitou que a Inglaterra entrasse
na Comunidade Europeia.
Desde sua juventude já estava
intimamente ligada ao conservadorismo e foi buscar no austríaco Friedrich
Hayek, seu mentor intelectual, o embasamento de todo seu pensamento
liberal. Hayek escreveu O Caminho da
Servidão, cujo argumento central condenava a intervenção econômica do governo,
em oposição à economia do Estado de bem-estar social keynesiano.
Thatcher levou às últimas
consequências o ensinamento de Hayek. Efetuou privatizações em todas as
direções. Só preservou o sistema de saúde, que é modelo de saúde pública até
hoje. Combateu os sindicatos, em especial a categoria dos mineiros. Retirou
direitos trabalhistas, e na prática, extinguiu o salário mínimo. Atacou as
greves, criminalizou os Movimentos Sociais, meteu a polícia em cima dos
trabalhadores.
Admirava o ditador Pinochet,
executor de uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina. Mesmo depois
que ele caiu em desgraça, continuou a dar-lhe apoio. Outra ditadura apoiada por
Margaret foi a da África do Sul, regime racista que causou, entre outras, a
prisão de Nelson Mandela, que ela considerava um terrorista.
Teve o apoio incondicional do
Governo de Ronald Reagan, assim como ela apoiou os Estados Unidos,
incondicionalmente, pois ambos aplicavam a mesma ideologia econômica capitalista.
A primeira-ministra nunca aceitou
a sociedade, a coisa coletiva. Sempre teve dificuldade de entender qualquer
coisa, além da pessoa individual. Foi uma escravagista e não libertadora, no
sentido que sempre defendeu a exploração do homem pelo homem à máxima potência.
Causou desgraças, desemprego aos milhões.
Combateu veementemente o
socialismo dos Estados operários burocratizados. Quando terminou seu último
mandato, a União Soviética estava desintegrada. E paradoxalmente não queria a
unificação das Alemanhas, pois tinha medo de que (como realmente aconteceu) que
uma Alemanha unida poderia se tornar uma economia que poderia engolir as outras
na Europa.
O descobrimento de petróleo no
norte favoreceu muito a administração de Thatcher e ela sempre soube aproveitar
estes momentos. Outro aliado acidental foi Galtieri, ditador da Argentina, que
se lançou em 1982 na guerra das Malvinas contra o Império Britânico. Após o massacre provocado pela força aérea inglesa, a Argentina se rende e Margareth Thatcher é reeleita em
1983. Esta guerra rendeu lucros políticos para a primeira-ministra e a
sustentou até depois da retirada de cena da política.
Uma das muitas marcas de Thatcher
foi a desregulamentação do setor financeiro que lá na frente gerou a crise
financeira mundial do capitalismo de 2008, pois Reagan, assim como Bush pai e
Bush filho, aplicaram a desregulamentação financeira nos Estados Unidos e no
mundo. E como o mundo dá voltas, a solução para a crise de 2008, que continua,
foi tudo que Margaret abominava: socorrer o capitalismo através do governo. A
teoria do Estado Mínimo, a ausência de Estado e a desregulamentação foram
jogadas no lixo. Margaret não viu nada disto, pois já estava em estado de
demência.
A retirada de direitos
trabalhistas e o ódio à classe trabalhadora também trouxe o ódio desta à
ex-primeira-ministra. A expansão do método Thatcher trouxe os reflexos da
década de 1990 para a América Latina, que, em especial, foi destroçada pelas
privatizações, sendo no Brasil representado, na época, por Fernando Henrique
Cardoso, do PSDB.
Margaret era a dama de paus nos trabalhadores
e, ao mesmo tempo, dama de ouro para os milionários. Depois pagaram o seu
serviço e virou Baronesa. Muito justo. Colocou a escravidão na pauta do
capitalismo, onde cada trabalhador poderia ser explorado sem dó nem piedade e
colocou o mundo nas mãos de cada vez menos pessoas, aumentando a concentração
de renda e a pobreza. De cada sete habitantes, um passa fome no mundo
capitalista.
Uma pessoa que retirou - derramou - o
leite das crianças, que era insensível (e daí o nome Dama de Ferro), não serve
para nada. Sua herança é doentia e não deve ser exemplo para um modelo de felicidade
humana. Ela estudou Ciências Químicas e sempre foi ácida com os trabalhadores.
Já para os milionários e bilionários ela foi base para acúmulo de fortunas.
Leite Derramado, por coincidência,
é o livro de Chico Buarque de Holanda, publicado em 2009, onde a decadência da
burguesia é narrada por Eulálio, personagem do livro. No livro, o ódio dos
ricos em relação aos negros e pobres é realçado e, assim como Margaret derramou
o leite das crianças, o Leite Derramado, retrata o mesmo ódio da burguesia
contra os pobres, que continua a atravessar os séculos. O capitalismo tem nojo
de pobre, em que pese que necessite deles para fabricar os bilionários.
Margaret encarnou muito bem isto.
E a história não dá tréguas: o
enterro de Margaret Thatcher foi pago pelos Trabalhadores da Inglaterra através
do dinheiro público de um país que atualmente atravessa uma grande crise do
capitalismo, assim como em toda a Europa.
Na sua morte, e durante o
enterro, os miseráveis e milionários choraram por ela: aqueles, de raiva, e
estes, de saudade. Margaret terminou a sua saga em 1990, com desprestígio e com
o desprezo do povo. O desemprego aumentou aos milhões diante da sua defesa
intransigente do capitalismo selvagem, do Estado Mínimo. As pessoas foram para
as ruas para festejar a morte da inimiga da classe trabalhadora - a morte
daquela que trouxe o desemprego para milhões de lares na Inglaterra e no mundo.
Choram os herdeiros da escravidão
total para o trabalhador e da liberdade total para os ricos, de Hayek e
Margaret: Instituto Millenium, Mises, Veja, Abril, Época, Globo, Folha, Estadão
e tantos outros pelo mundo afora.
Mas Margaret Thatcher é a melhor
inimiga. Sem rodeios, sem falsidades, sem máscaras. Nunca escondeu seus
propósitos, sempre defendeu seus ideais escravagistas. Uma inimiga dos
trabalhadores, sem retoques.
A herança de Margaret Thatcher se
divide em duas fases. A primeira ocorreu na década de 1990 com as privatizações
mundiais e a entrega da coisa pública para os capitalistas. A segunda fase
ainda está ocorrendo desde a década de 2000. Esta é fase mais difícil de ser
combatida, por ser camaleônica e possuir os sucessores mais improváveis.
Vejamos. Depois de Margaret, os
Trabalhistas viraram seus sucessores na Inglaterra defendendo um capitalismo
com retirada de direitos, privatizações e criminalização dos Movimentos
Sociais. E no Brasil, seus herdeiros foram o PSDB de FHC, Serra, Alckmin e
Aécio. Tudo isto na primeira fase dos sucessores de Thatcher.
A segunda fase tem, tristemente,
o PT de Lula e Dilma no Brasil. Os sucessores improváveis de Thatcher.
A prova? Margaret não teve
coragem de privatizar a saúde na Inglaterra. O PT teve esta ousadia. Hoje o SUS
é administrado por OS - Organizações Sociais. Os hospitais universitários estão
sucateados. Nem Margaret teve a ousadia que o PT teve.
Nem os primeiros sucessores de Margaret
tiveram a ousadia de retirar direitos previdenciários como fez o PT na era Lula
(o maior ataque aos direitos previdenciários no país) e depois a consumação com
Dilma da instalação do Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público da
União (Funpresp), outro ataque enorme à classe trabalhadora, em especial aos
servidores públicos. A manutenção do fator previdenciário por Lula e Dilma, que
foi criado por FHC, foi outro ataque frontal aos trabalhadores. Com o PT no
poder a polícia continua a bater nos trabalhadores. A criminalização dos
movimentos sociais, estudantis e a criminalização da greve continuam a todo
vapor.
As privatizações que foram
levadas a cabo por Fernando Henrique do PSDB (primeira fase) tiveram a
continuidade com o PT de Lula e Dilma. A Vale, a Embraer, siderúrgicas, as
empresas telefônicas, as empresas elétricas, tudo o que foi privatizado
continuou intocado com o PT.
E o governo do PT foi além. Manteve
todas as privatizações de FHC – PSDB e continuou a privatizar: os Correios
através das franquias, a Petrobrás através dos leilões de poços de Petróleo
(Eike Batista), as rodovias, portos e aeroportos foram privatizados com o PT.
As concessões de rádio e televisão continuaram intocadas. Os bancos nunca
ganharam tanto dinheiro. Acabou-se a possibilidade de uma reforma agrária mínima.
Ou seja, o que Margaret Thatcher
sempre sonhou e executou na Inglaterra, aqui no Brasil, Fernando Henrique do
PSDB executou com brilhantismo a primeira fase.
Com maior brilhantismo ainda o PT
executou, e continua executando, a segunda fase: privatizações, criminalização
dos movimentos sociais, criminalização da greve, congelamento de salários,
perseguição aos servidores públicos, retirada de direitos dos trabalhadores,
retirada de direitos previdenciários empurrando os trabalhadores para o sistema
previdenciário privado, privatização do SUS e da saúde pública através das OS -
Organizações Sociais e planos privados de saúde, violência policial contra os
trabalhadores, invasão de outro país (Haiti), Estado Grande para os milionários
(Eike Batista, Friboi e outros) e Estado Mínimo para os trabalhadores (bolsa
família). Tudo isto era o sonho e a realidade de Margaret, exceto a bolsa
família.
A diferença da primeira fase para
a segunda foi prevista por Margaret Thatcher.
Ela retirou o leite das crianças.
Foi o que os herdeiros da primeira fase fizeram. Os herdeiros da segunda fase
foram mais inteligentes: deram o leite para as crianças e até para os adultos (bolsa
família).
Quando Thatcher retirou o leite
das crianças, o povo condenou a atitude e isto causou um grande estrago
político para a sua vida política, em que pese que ela nunca tivesse esta
preocupação com desgaste político. Margaret comentou sobre o erro que cometeu
ao retirar o leite das crianças: "Eu tinha incorrido no máximo de ódio
político pelo mínimo de benefício político." Ou seja, não compensava tirar
o leite das crianças para o desgaste que sofreu.
Chorar sobre o leite derramado? Que nada. Margaret deve estar sorrindo (se
é que ela sorriu alguma vez), pois seu legado segue nas mãos daqueles que um
dia ousaram dizer que defendiam os trabalhadores.
Triste, mas verdadeiro. Margaret
Thatcher vive! Desgraçadamente, encarnada em partidos e pessoas que diziam
combatê-la. Herdeiros improváveis, mas reais.
* Pedro Aparecido de Souza é servidor público no Judiciário Federal e
militante sindical.
17.04.2013
www.pedroaparecido.com.br
Artigo publicado no portal da CSP-CONLUTAS: www.cspconlutas.org.br, em 18 de abril de 2013.
http://cspconlutas.org.br/2013/04/os-improvaveis-herdeiros-de-margaret-thatcher-e-o-leite-derramado-por-pedro-aparecido-de-souza/
========================================
www.pedroaparecido.com.br
Artigo publicado no portal da CSP-CONLUTAS: www.cspconlutas.org.br, em 18 de abril de 2013.
http://cspconlutas.org.br/2013/04/os-improvaveis-herdeiros-de-margaret-thatcher-e-o-leite-derramado-por-pedro-aparecido-de-souza/
========================================
Nenhum comentário:
Postar um comentário