Uma entidade ou Poder tem a sua aparência pela aparência de seus
representantes. Não significa que a aparência representa a essência e nem que a
essência represente minimamente essa aparência. Mas dá um sinal claro do que é
a entidade ou Poder.
Joaquim Barbosa, presidente do STF, é apenas um espécime entre tantos
outros, que apenas se diferencia da maioria por falar abertamente o que pensa,
enquanto a maioria pensa, mas não fala.
O julgamento do Mensalão e a condenação (e também absolvição de
alguns) foi um soluço que logo passa. O STF nem de longe é o que parece ser.
Aquilo foi uma exceção. Uma boa exceção, que condenou os corruptos e
corruptores do governo do PT. Aguardamos em tom ansioso o mensalão do PSDB ser
julgado brevemente.
Então para seguirmos algumas pistas para descobrirmos o que é este tal
de Judiciário, vamos seguir as ordens do presidente Barbosa: vamos chafurdar o
lixo do Judiciário. E vamos esquecer o palhaço. Não é necessário nenhum palhaço
nessa investigação.
Uma tarefa difícil, pois o lixo é grande. Não vamos falar dos juízes
condenados por venda de sentença (são minorias dentro do Judiciário). A grande
maioria trabalha honestamente e muito.
Vamos investigar apenas uma porção pelo método axiomático, pela
aparência.
Começando pelo presidente Barbosa. No dia 05 de março de 2013, o
presidente do STF Joaquim Barbosa chamou um repórter de palhaço e enviou a
seguinte ordem: "Vá chafurdar no lixo como você faz sempre" (Fonte:
www.g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/03/joaquim-barbosa-se-irrita-com-reporter-va-chafurdar-no-lixo.html).
Aqui não vamos nem tentar dar interpretações sobre o que é chafurdar no lixo.
Existem várias acepções da sentença. Nenhuma recomendável, pelo menos, para menores
de idade.
Uma briga de titãs, uma briga de deuses. E Barbosa, simplesmente, não
é Deus, é Zeus. Acima do Olimpo. E daí o seu destempero.
Dias depois (08.04.2013) o mesmo presidente Barbosa, teve uma reunião
com os representantes das Associações de Juízes: Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Associação dos Juízes Federais
do Brasil (Ajufe) e Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Nesta reunião ocorrida na presidência do STF, o presidente da Suprema
Corte, disse ao vice-presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil
(Ajufe), Ivanir César Ireno: "O senhor abaixe a voz porque o senhor está
na presidência do Supremo Tribunal Federal", e continuou "Só me
dirija a palavra quando eu lhe pedir”. (Fonte: www.g1.globo.com/politica/noticia/2013/04/barbosa-critica-associacoes-de-juizes-por-apoiar-criacao-de-novos-tribunais.html).
São palavras que seriam dirigidas na idade média de um rei para o seu
escravo (servo). Jamais de um presidente de uma instituição para outra ou de um
ser humano para outro.
Chafurdando o lixo próximo do STF, não entremos no mérito das duas
questões. Não quero discutir se o repórter tinha ou não tinha razão. Não quero
discutir se os projetos de criação dos novos Tribunais Regionais Federais foram
ou não discutidos. Aqui, chafurdando o lixo do Judiciário, é melhor tapar o
nariz e esquecer qual o conteúdo do lixo. Apenas a sua aparência, que seria a
falta de educação.
Outro engano da aparência. Não é falta de educação. É falta de
democracia. É ditadura. É atraso. É idade média. É militarização.
Existem juízes educados e respeitosos aos montes. Existem juízes
também no STF educados e respeitosos. Mas não esperem que a falta de
democracia, a ditadura, o atraso, a idade média, a militarização seja exceção
no Judiciário. Ela é uma regra.
É o poder mais atrasado de todos. Mais que o Executivo e o próprio
Legislativo.
Alguns relatos para trazer o reflexo da aparência para a essência são
necessários. Voltemos, então, ao túnel do tempo.
Vamos ver como estas mesmas Associações Nacionais de Juízes e Procuradores trataram 120.000 (cento e vinte mil) Servidores Públicos que
trabalham no Judiciário e no Ministério Público da União.
Os Servidores Públicos do Judiciário e Ministério Público da União
estavam com os salários congelados desde 2006 e estavam realizando Greves e
outras Manifestações reivindicando um reajuste salarial que cobrisse a inflação
perdida e que colocasse estes Servidores com tratamento salarial isonômico aos
outros poderes do Executivo e Legislativo.
Foi formada uma comissão no STF que entendeu que os reajustes, para
que houvesse isonomia em relação aos outros Servidores Públicos de idêntico
cargo e atribuições no Executivo e Legislativo, deveriam ser de 81% sobre as
parcelas da remuneração, o que corresponderia em cerca de 50% de reajuste
médio, já que muitas parcelas não são reajustadas.
Aconteceram várias reuniões com os presidentes do STF, no Congresso e
até no Executivo sobre a questão. O anteprojeto foi aprovado no Pleno do STF e
encaminhado para o Congresso Nacional.
Qual foi a surpresa da Categoria quando uma frente de Associações de
Juízes e Procuradores, denominada FRENTAS, oficiou ao Presidente do STF, na
época, Ministro Gilmar Mendes que não era possível dar um reajuste para o
Servidores Públicos do Judiciário e MPU. Assinaram o ofício: Fernando César
Baptista de Mattos - AJUFE – Associação dos Juízes Federais do Brasil, Carlos
Alberto Cantarutti - AMPDFT – Associação do Ministério Público do Distrito
Federal e Territórios, Luciano Athayde Chaves - ANAMATRA – Associação Nacional
dos Magistrados da Justiça do Trabalho, Marcelo Weitzel Rabello de Souza -
ANMPM – Associação Nacional do Ministério Público Militar, Antonio Carlos
Alpino Bigonha - ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República,
Daniela Landim Paes Leme - ANPT – Associação Nacional dos Procuradores do
Trabalho, Aiston Henrique de Sousa - AMAGIS (DF) – Associação dos Magistrados do
DF, José Barroso Filho - AMAJUM – Associação dos Magistrados da Justiça Militar
Federal. (Fonte: http://www.sindijufe.org.br/index.php?pg=ler&id_con=6887).
Simplesmente, por forças ocultas, o projeto do próprio STF que
reajustaria em 81%, baixou para 56% e depois para 33% e depois para 15,8%
(reajuste para cobrir seis anos desde 2006 e mais três anos futuros em parcelas
para 2013, 2014 e 2015), lógico que com todo o apoio do Governo Federal do PT.
A posição da FRENTAS não foi a posição dos juízes e nem dos
procuradores. Foi posição das suas entidades representativas. Mas o que
interessa que pela primeira vez as Associações Nacionais dos Juízes e
Procuradores se colocaram abertamente contra o reajuste de seus subordinados.
Farinha pouca, meu pirão primeiro.
Barbosa só devolveu, de outra forma, o que a FRENTAS fez com os
Servidores do próprio Judiciário. Nada melhor do que um dia depois do outro.
Isto só colocou em evidência o que todo mundo sabia: que as
Associações Nacionais de Juízes e a de Procuradores se preocupam mais com o
seus vencimentos e muito pouco pelo dos seus subordinados. Não se teve
solidariedade. Teve repressão, pois nas Greves realizadas, o próprio STJ impôs
multa de R$ 200.000,00 por dia aos Sindicatos que fizessem Greve. Servidores
tiveram o ponto cortado pelo próprio Judiciário.
Hoje os Servidores Públicos do Judiciário e Ministério Público da
União estão indo embora para outros Poderes. Estão fazendo concurso e migrando.
Muitos dos novos concursados nem chegam a tomar posse. E quando tomam posse,
logo pensam em sair. Não há ânimo para ficar. Além da remuneração que foi
diminuída pela inflação ao longo dos anos, não há clima de democracia, não há
debate com os Servidores. O que há é uma verticalização. Ordens sendo dadas sem
discussão, sem debate. Poucos se sentem integrados ao Judiciário.
Quem pensa que somente o presidente Barbosa do STF tem dificuldade no
trato, engana-se. Outros também têm.
Nosso último exemplo da dificuldade de tratamento entre Juízes e
Servidores Públicos não Juízes ocorreu em uma reunião do Sindicato dos
Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro — SIND-JUSTIÇA. A
reunião ocorreu entre a Administração do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
e o SIND-JUSTIÇA. O Sindicato foi recebido por um juiz e um desembargador.
Entre outros assuntos estava em pauta o pagamento do auxílio-alimentação e o
auxílio-educação para os Servidores e o pagamento do auxílio moradia para os
juízes (neste caso, com pagamento retroativo a vários anos).
Lá pelas tantas ocorreu um diálogo, segundo as informações dos
presentes à reunião, que chocou a todos quando foi dito: "Não te
interessa!" (fonte:
http://www.sindjustica.org.br/fala_coordenador/visualizar_mensagem.asp?cod_mensagem=927).
Ha outro caso muito interessante como um juiz trata um Servidor Público num processo judicial (fonte: http://www.espacovital.com.br/noticia-29166-recurso-inadequado-para-cutucar-magistrado).
É melhor ler a sentença integral (fonte:http://www.espacovital.com.br/noticia_complemento_ler.php?id=2752¬icia_id=29166 )
Ha outro caso muito interessante como um juiz trata um Servidor Público num processo judicial (fonte: http://www.espacovital.com.br/noticia-29166-recurso-inadequado-para-cutucar-magistrado).
É melhor ler a sentença integral (fonte:http://www.espacovital.com.br/noticia_complemento_ler.php?id=2752¬icia_id=29166 )
Como se vê, é sob a aparência que se esconde a essência. Não é só um
ou outro caso de dificuldade de entendimento dentro do Judiciário. Poderíamos
discorrer sobre centenas de casos semelhantes aos acima elencados. Mas o problema não é personalíssimo. É institucional, muito além da nossa
vã filosofia. O problema é mais embaixo.
Todas as vezes que tive a oportunidade de me encontrar com Barbosa,
ele foi muito gentil e não posso reclamar de nada. Assim foi nas reuniões que
tive com vários presidentes do STF, como Gilmar Mendes, Ayres Britto, Marco
Aurélio Mello, o Vice-Presidente Ricardo Lewandowski, que será o próximo
presidente, além de outros Ministros do STF, como Cármen Lúcia, Dias Tofolli, e
outros que já se aposentaram.
No entanto, o Judiciário não é apenas na aparência do rompante e
estopim curto. É muito mais.
É uma estrutura medieval, militarizada, vertical, sem debates, com ordens
do general para o soldado, sem democracia, fechada para a sociedade, fechada
para os advogados, fechada para os Servidores e incrível, fechada até para os Juízes.
O cidadão comum treme de medo de ter que ir ao Judiciário. Ele não
conhece o Judiciário, mas sabe que é mais fácil um cágado passar na agulha do
que um processo ser julgado a tempo. Não confia no Judiciário.
É também verdadeira a afirmação que existem muitos Juízes que estão
tentando mudar isto, administrações que investem pesado para que isto mude.
Os Servidores Públicos que trabalham no Judiciário são os que mais
sofrem e também lutam para que o Judiciário mude, até porque eles são a parte
mais fraca da corrente de poder dentro do Judiciário e são eles que carregam o
piano, fazem o piano, afinam o piano e tocam o piano.
Dizem que o Barbosa é o Batman. Batman é o Cavaleiro das Trevas. O Judiciário
não é o Batman e, portanto, não é Cavaleiro das Trevas. É a própria Treva.
Chega de Idade Média. Mas para isto não podemos ter medo de chafurdar
no lixo do Judiciário. É preciso coragem.
Enquanto isto, na Sala da Justiça, na Idade Média, foi aprovado que o
STF criará mais 33 (trinta e três cargos de comissão) e aumentará o valor das
CJ-3 de R$
10.352,52 para R$ 12.940,00.
Enquanto isto, na sala da realidade, sobrecarregados de Trabalho, os servos, digo, Servidores concursados, terão reajuste de 15,8% em suaves prestações anuais de três anos, depois de ter seis anos de salários congelados.
Como se percebe, transformar o Judiciário é tarefa para a Liga da Justiça. Não é para qualquer um.
É possível mudar, mas este Poder terá que se abrir para a sociedade, para sair da Idade Média e chegar pelo menos na Idade Moderna. Nem estamos cobrando que chegue à Contemporânea. Acho que não é pedir demais.
Enquanto isto, na sala da realidade, sobrecarregados de Trabalho, os servos, digo, Servidores concursados, terão reajuste de 15,8% em suaves prestações anuais de três anos, depois de ter seis anos de salários congelados.
Como se percebe, transformar o Judiciário é tarefa para a Liga da Justiça. Não é para qualquer um.
É possível mudar, mas este Poder terá que se abrir para a sociedade, para sair da Idade Média e chegar pelo menos na Idade Moderna. Nem estamos cobrando que chegue à Contemporânea. Acho que não é pedir demais.
Chafurdar no lixo dos outros é refresco. O duro é aguentar o cheiro do
nosso próprio lixo. Queremos essência e
não aparência... Chega de palhaçada.
Chega de Trevas, “Fiat lux”. Não confundir com Fux, por favor.
Pedro Aparecido de Souza é
Servidor Público no Judiciário Federal e militante sindical.
11.04.2013
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