quarta-feira, 23 de abril de 2008

Quando a Administração Pública se aproxima da privada

Artigo publicado na Revista Jurídica Netlegis, em 22.04.2008
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Quando a Administração Pública se aproxima da privada

Pedro Aparecido de Souza

É muito comum a comparação entre a Administração Pública e a administração privada. Aquela seria muito incompetente e esta muito competente.

Não é necessário e nem possível fazer comparações. Os objetivos da administração pública e da administração privada são totalmente diferentes, pois a primeira tem como objetivo a sociedade e a segunda tem como objetivo o lucro.

Seria como comparar as funções de uma manga na mangueira e a grama que está no chão ao redor do pé de manga. Cada um tem uma função importante, mas não é possível aplicar as mesmas regras de criação, sustentabilidade, crescimento, produção e morte para os dois.

Algumas coisas são comuns, mas as especificidades da manga e da grama determinam a função de cada um. Portanto, algumas técnicas podem ser aplicadas para as duas, mas a maioria das características de cada uma é absolutamente diferente da outra.

No capitalismo a Administração Pública tem como objetivo a satisfação das necessidades dos grupos que dominam econômica e politicamente o Estado, sendo que os interesses da coletividade somente são efetivados, se existir interesse da classe econômica dominante.

Em alguns casos haverá o interesse da coletividade respaldada, para legitimação da Administração Pública, pois se a Administração Pública não servir de vez em quando a coletividade muitas revoltas ocorrerão. Isto colocaria o sistema em perigo.

Por outro lado, no neoliberalismo, um dos principais princípios é o Estado Mínimo, ou o sucateamento total do Estado. Assim, as gordas fatias do Serviço Público podem ser doadas, leiloadas para a administração privada.

Como a administração privada não pode vender mercadorias para os consumidores de Marte, e não havendo consumidores ao infinito, a ferocidade da administração privada se volta para a Administração Pública, privatizando e doando a Administração Pública para os leões.

Isto é facilmente comprovado (que as limitações das vendas estão em perigo). Para aumentar os lucros, coloca-se água oxigenada e soda cáustica no leite para que o mesmo possa aumentar de volume e aumentar a longevidade. O cidadão consumidor? Que vá beber leite em outra freguesia.

Diante desse quadro é quase um milagre que a Administração Pública ainda esteja em pé, tendo em vista a verdadeira caçada aos Trabalhadores no Serviço Público e ao próprio Serviço Público no Brasil e na maioria dos países. A imprensa tem donos e seus donos também lutam para que não haja concorrência da administração pública no seu meio e também aplaudem o sucateamento do Estado.

A defesa da Administração Pública, desde a estréia do Chile, como cobaia neoliberal, passando por Reagan e Margareth Thatcher, até chegar a Fernando Henrique e Lula, dando prosseguimento à aplicação do Estado neoliberal, coube aos Sindicatos e Movimentos Sociais. As doações de Fernando Henrique como a Vale do Rio Doce por cerca de dois bilhões de reais, a privatização de Lula nas rodovias federais, a privatização através dos leilões de poços de petróleo da Petrobrás, as Parcerias Público-Privadas (PPPs) de Lula, e assim por diante, todas foram e são denunciadas e combatidas por esses Movimentos Sociais.

Quanto à incompetência, a administração privada é um grande modelo a ser seguido. Vamos aos fatos.

Empresa telefônica deveria atender telefonemas. Certo? Errado. Empresa multinacional telefônica que não atende ao telefone? Como se pode admitir que ligações para operadoras de telefone durem mais de hora sem conseguir resolver um problema qualquer? Já experimentou cancelar a sua linha telefônica? Precisou até de regulamentação do Governo para obrigá-las a atender as solicitações dos clientes.

É como ir num açougue, nunca ser atendido pelo dono ou funcionários e nunca encontrar carne. E quando encontra carne, você tem que comprar carne naquele açougue por 12 meses (fidelidade). Se você não for fiel por 12 meses, você paga a carne mais cara. E o pior: se lá no sexto mês você for comprar carne no outro açougue, tem que pagar uma multa.

Tem mais. Tem que comprar no mínimo 5 kg/bites por dia de carne. Se comprar menos paga do mesmo jeito (é o pacote). Outra coisa, se você quiser comprar carne com osso tem que pagar adiantado o equivalente a dois ou três meses de consumo. Isso mesmo. Se você quiser comer carne com osso e comer pouca carne tem que entrar no pré-pago. Paga tudo antes e se você não quiser comer toda a carne desses três meses, perde o seu dinheiro.

Mas você pode reclamar (com a secretária eletrônica do açougue). Mas o pior ainda é se você não quiser mais comprar carne naquele açougue e quiser cancelar o seu contrato (que você nunca assinou, pois é virtual). Aí o bicho pega, pois para você parar de comprar a carne naquele açougue você terá que ligar durante um mês (se antes você não entrar em depressão) e, enquanto você não conseguir cancelar o contrato você será obrigado a comprar mais carne durante aquele período até que você consiga o protocolo que você não quer mais carne.

É surrealista. Mais parece “O Processo” de Franz Kafka. No entanto, ao contrário de “O Processo”, o cenário não é da Administração Pública. O nosso caso ocorre na administração privada. O personagem Josef K., de “O Processo” não consegue entender por que não consegue se livrar do processo contra ele. Nós não conseguimos se livrar da linha telefônica da operadora. Se lá no décimo sexto dia, você está pendurado no telefone há mais de três horas, furioso, tentando dizer que não quer mais a linha telefônica, se a secretária (eletrônica) disser que cancela o contrato se você se declarar culpado por ter matado John Kennedy, certamente, você confessa na horinha, mesmo tendo você nascido em 1964 e Kennedy tendo sido assassinado em 1963.

Essa é a competência da administração privada. Belo modelo de gestão e respeito pelos clientes.

Para quem não gosta de fila, não vá conversar com o seu gerente no seu banco privado, pois pode perder a sua tarde inteira de trabalho (só atende você à tarde). Não vá comprar um aparelho celular na sua operadora preferida, pois pode ficar mais de quatro horas na fila.

Mas pelo menos podemos reclamar do péssimo atendimento na administração privada. Sim, podemos ligar para aquela secretária (eletrônica) que vai mandar a gente apertar 10.000 botões e depois a linha cai e brigamos com a secretária (eletrônica) e novamente somos obrigados a apertar mais botões.

O Serviço Público ainda tem muitas deficiências, em que pese a tremenda sabotagem que ele sofre, pois o objetivo é a privatização (veja as falcatruas das Fundações nas Universidades Públicas). Mas afirmarmos que a Administração Pública é mais incompetente que a administração privada é cinismo.

Há muito que melhorar na Administração Pública, sem dúvida nenhuma. Hoje temos Serviços Públicos de primeira qualidade para a população, assim como temos serviços excelentes oferecidos por algumas administrações privadas, e temos também serviços de péssima qualidade na Administração Pública, assim como na administração privada.

As famosas parcerias e convênios entre Administração Pública e administração privada só beneficiam a administração privada. É o famoso contrato caracu. Um é o pasto (a Administração Pública) e o outro (administração privada) é o boi.

Já sabemos quem levará vantagem nessas “parcerias e convênios”.

Ou seja, quando a Administração Pública se aproxima da privada, já sentimos o cheiro de longe. Afinal privada é privada, pública é pública. Como sabemos que privada pública não cheira bem, é melhor a Administração Pública ficar bem longe da administração privada.

A Administração Pública deve ficar bem longe da administração privada e muito perto dos(as) usuários(as) que utilizam o Serviço Público, pois é com estes e estas que a Administração Pública deve ter parceria e convênio.

As primeiras impressões são falsas. Há muita coisa boa na privada. Na pública também.

Pedro Aparecido de Souza é colunista da Revista Jurídica Netlegis

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