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A fiscalização do TCU nas Entidades Sindicais
* Pedro Aparecido de Souza
No dia 31 de março de 2.008, exatamente na comemoração dos 44 anos do golpe de Estado que derrubou João Goulart, foi sancionada a Lei 11.648 que reconhece formalmente as Centrais Sindicais.
Os militares e o empresariado que deram o golpe de 1964 ficariam horrorizados com essa nova Lei. Mas os que defendiam um Movimento Sindical livre também ficariam, pois nessa Lei também está contemplada a aberração do Imposto Sindical.
Portanto é uma Lei que formaliza as Centrais Sindicais, mas que em nada muda a atuação das mesmas, já que antes eram ilegais e isso não as impediram de atuar.
A Lei 11.648/2008 antes de ser sancionada era o PL 1.990/2007. Era um Projeto de Lei que tramitou na Câmara dos Deputados. No PL 1990/2007, no artigo 6º contemplava a fiscalização do Tribunal de Contas da União sobre a aplicação dos recursos oriundos dessas contribuições. Veja o que dizia o Art. 6º desse PL:
“Art. 6º Os sindicatos, as federações e as confederações das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais e as centrais sindicais deverão prestar contas ao Tribunal de Contas da União sobre a aplicação dos recursos provenientes das contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, de que trata o art. 149 da Constituição Federal, e de outros recursos públicos que porventura venham a receber.”
No afã de receber o Imposto Sindical as Centrais Sindicais pelegas, que exigiam a aprovação da Lei, deixaram passar no Congresso Nacional a intromissão estatal nas Entidades Sindicais: a submissão das Entidades Sindicais ao Tribunal de Contas da União – TCU.
Ao sancionar a Lei 11.648/2008, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o artigo 6º do PL 1990/2007, impedindo a intromissão do Tribunal de Contas da União nas Entidades Sindicais.
Cabe aqui dizer que essa tática do Governo Lula é antiga. É a técnica do bode na sala. Primeiros os deputados colocam algo contra os Trabalhadores no Congresso a seu mando e depois, ele, heroicamente retira aquele mal com sua habitual simpatia.
Foi assim na Emenda 03, do Projeto de Lei 6.272/05, da criação da Super Receita. Essa emenda impedia a fiscalização pelo Ministério do Trabalho. Ora, aquela emenda já estava embutida no próprio projeto do Governo Federal. A emenda 03 determinava a necessidade de uma decisão da Justiça do Trabalho para que uma autoridade fiscal considerasse como relação trabalhista o contrato firmado entre empresas de uma só pessoa - os autônomos - e empresas maiores, o que poderia levar à flexibilização dos direitos trabalhistas.
Isso impediria, na prática, o trabalho de fiscalização do MTE. Lula havia vetado a emenda 03 e jogou a bola para o Senado e deu risada.
Cabe, aqui, analisar a fiscalização do TCU sobre os recursos das Entidades Sindicais deixando os outros aspectos do peleguismo e do governismo fora dessa análise.
Lula ao vetar o artigo 6º, verbalmente disse:
“"Aí, na hora em que vieram me trazer para assinar, eu me lembrei que passei 30 anos da minha vida lutando por liberdade e autonomia sindical, e eu não podia compactuar com o fato de tirar do Ministério do Trabalho e colocar no Tribunal de Contas da União, para ficar fiscalizando o sindicato." (Folha Online, 01.04.2008).
Legalmente, Lula vetou pelas seguintes razões, segundo o veto publicado no dia 31.03.2008:
“O art. 6º viola o inciso I do art. 8º da Constituição da República, porque estabelece a obrigatoriedade dos sindicatos, das federações, das confederações e das centrais sindicais prestarem contas ao Tribunal de Contas da União sobre a aplicação dos recursos provenientes da contribuição sindical. Isto porque a Constituição veda ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical, em face o princípio da autonomia sindical, o qual sustenta a garantia de autogestão às organizações associativas e sindicais.”
Essa foi a razão ou razões do veto.
As reações ao veto do Presidente foram as mais diversas.
Rodrigo Maia (RJ), Presidente do DEM, disse que o seu partido vai ao STF para questionar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao artigo do projeto de lei que regulamenta a atividade das centrais sindicais.
Marinus Marisco, procurador do Ministério Público junto ao TCU, criticou o veto.
O Presidente da OAB Nacional defendeu o veto. Coincidentemente o Presidente da OAB Nacional, Cezar Britto, qualificou de acertada a decisão de Lula. Aqui tem uma linha de opinião baseada na defesa da própria OAB que não aceita a fiscalização do TCU sobre os recursos da OAB.
Essa história é antiga. A OAB entende que apesar de ser entidade autárquica, não pode ser fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União. E tem conseguido, até agora, fugir do TCU. Aqui cabe uma indagação: Se a OAB que é Autarquia não aceita o controle, por que as Entidades Sindicais (absolutamente privadas) teriam que prestar contas ao TCU?
Um outro aspecto que vale ressaltar: somente as Entidades Sindicais dos Trabalhadores seriam fiscalizadas pelo TCU, enquanto que as Entidades Sindicais Patronais não seriam fiscalizadas. Isso poderia dar a entender que desvios de dinheiro só ocorrem entre os Trabalhadores, e que entre os patrões não ocorrem, o que seria, no mínimo, uma ingenuidade.
Por que somente as Entidades Sindicais de Trabalhadores? Não há quem possa responder, já que as entidades sindicais patronais também possuem o imposto obrigatório, conforme se lê no artigo 5º da Lei 11.648/2008:
“Art. 5o Os arts. 589, 590, 591 e 593 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 589.
......................................................................................................
I - para os empregadores:
a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente;
b) 15% (quinze por cento) para a federação;
c) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e
d) 20% (vinte por cento) para a ‘Conta Especial Emprego e Salário;
II - para os trabalhadores:
a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente;
b) 10% (dez por cento) para a central sindical;
c) 15% (quinze por cento) para a federação;
d) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e
e) 10% (dez por cento) para a ‘Conta Especial Emprego e Salário.”
O peleguismo e o governismo, que apóiam o Imposto Sindical, quase feriram de morte a liberdade sindical e a não intromissão estatal nas Entidades Sindicais. Quase conseguiram que o TCU se intrometesse nos Sindicatos.
A fiscalização do dinheiro arrecadado pelas Entidades Sindicais cabe aos Trabalhadores que compõem aquela categoria. Não cabe ao TCU ou ao Estado.
Aos Trabalhadores cabe a tarefa de organizar e fiscalizar o seu Sindicato, e a mais ninguém.
Atualmente, no caso de desvio de dinheiro ou de má aplicação, o Trabalhador da categoria pode ir até o judiciário ou ao ministério público. Já existem meios para realizar a fiscalização.
Esse dinheiro não é do Governo ou dos contribuintes. É dinheiro dos Trabalhadores.
Aos dirigentes corruptos, a pena que cabe a eles. O que não pode ser abalado é a liberdade sindical e a não interferência do Estado nas Organizações Sindicais.
Existem duas barreiras principais à interferência estatal nas Entidades Sindicais. Uma é a Constituição Brasileira de 1.988. A outra é a Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Na Constituição Brasileira de 1988 há proibição da interferência e da intervenção na organização sindical. Privilegiando o princípio da autonomia sindical. O artigo 8º da Constituição determina:
"art. 8º - É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (...)
I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedada aos Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;”
Não há o que interpretar. O Poder Público não pode interferir e intervir na organização sindical.
Se o Tribunal de Contas da União fiscalizasse as contas das Entidades Sindicais estaria interferindo na organização sindical, já que cabe aos Trabalhadores fiscalizar o seu patrimônio.
A segunda barreira, a OIT, é base singular do fundamento da liberdade sindical. A OIT é uma pessoa jurídica de Direito Público Internacional e foi criada em 1.919 e o Brasil é signatário.
Em 1.948, na cidade de São Francisco, Califórnia, Estados Unidos, foi aprovada a Convenção número 87 da Organização Internacional do Trabalho. Nessa Convenção se estabelece o princípio da liberdade sindical individual e coletiva
Vejamos o texto da Convenção 87 da OIT:
“Convenção Relativa à Liberdade Sindical e à Proteção do Direito de Sindicalização
Convenção nº 87/OIT
A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho:
...
Adota, com data de 9 de julho de mil novecentos e quarenta e oito, a seguinte Convenção, que poderá ser citada como a Convenção sobre a liberdade sindical e a proteção ao direito de sindicalização, 1948:
....
PARTE I
LIBERDADE SINDICAL
...
Artigo 3
1. As organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de redigir seus estatutos e regulamentos administrativos, o de eleger livremente seus representantes, o de organizar sua administração e suas atividades e o de formular seu programa de ação.
2. As autoridades públicas deverão abster-se de toda intervenção que tenha por objetivo limitar este direito ou entorpecer seu exercício legal.
...”
A Convenção 87 da OIT não deixa a menor possibilidade de interferência estatal na organização, nas atividades e na formulação do programa de ação.
A fiscalização do TCU nas contas das Entidades Sindicais é o dedo do Estado ingerindo na organização e nas atividades das Entidades Sindicais.
O imposto sindical é a mola mestra do peleguismo e deve ser combatido. Mas, juridicamente, não é possível essa fiscalização, pois estaria ferindo a Constituição de 1.988 e a Convenção 87 da OIT, o que poderia, inclusive, levar o Governo Brasileiro a ser denunciado à OIT por práticas anti-sindicais.
Pedro Aparecido de Souza é Sindicalista
pedroaparecido@pedroaparecido.com
04.04.2008
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